Na hermeticidade de uma sala de aula ecoava um silêncio transponível apenas pelo rabiscar de canetas e lápis 2B mal apontados. Queixando-se, alunos balançavam freneticamente as mesas bambas enquanto apagavam erros tolos de interpretação de enunciado. O nervosismo despontava no rosto de cada um, que não ousava olhar para o lado sequer para olhar o relógio, pois sabia que o professor carrasco poderia entender como uma tentativa de cola da prova do colega.
As janelas trancadas escondiam um convidativo dia de sol. Na sala, a única fonte de luz eram lâmpadas fluorescentes presas no teto apenas por correntes enferrujadas de ligas metálicas; qualquer pessoa que tentaria ter um ano inteiro de aula com aquelas lâmpadas acharia totalmente coerente os fabricantes se desculpassem pela má qualidades das mesmas: iluminavam pouco, e, pelos céus, duravam muito. A escola nunca admitiria isso, mas esse era o principal motivo no qual a tornava a instituição de ensino com maior índice de miopia.
Uma das alunas, não sabia como tinha ido parar ali. Estava em um bar, até que entrou em uma porta clara de luz e quando deu por si estava com um lápis na mão escrevendo pra quê servem as mitocôndrias.
Alice pensou muito sobre a situação, mas não disse nada, afinal não conhecia ninguém. Baixou a cabeça e fingiu estar escrevendo. Para os outros alunos, cada questão realizada era como uma vitória. A prova demonstrava perfeitamente a simpatia (ou a falta dela) do professor contendo 63 questões. O tempo arrastadamente ia se esgotando. Alice estava zonza, e por isso todo o ambiente possuía um aspecto sépio. Começou a se desesperar. Olhou para o papel que, ao contrário das outras mesas, estava em branco. Alice escreveu no papel inconscientemente:
"Preciso sair daqui"
Foi quando as luzes se apagaram, lançando professor e 16 alunos em uma escuridão cortada apenas pelos feixes de luz que invadiam a sala pelos buracos na madeira da janela. Sem luz, seria impossível continuar a prova, e um garoto no fundo da sala atirou suas costas no encosto da cadeira, suspirando. Foi seu último suspiro de alívio.
Do final do corredor, no último andar, ouviu-se um barulho que trouxe calafrios a cada uma das crianças naquela sala. Era uma mistura de miado de um gato que teve seu rabo recém pisado, e rugido de um leão que alcança sua presa, assustador por ser alto e extremamente selvagem.
- Provavelmente alguma brincadeira dos alunos do ginásio - disse o professor tentando diminuir o susto. Quando se preparou para dizer sua próxima frase, ouviu, como os alunos, um berro aterrorizante que, com toda a certeza, era da diretora, pois era inconfundível sua vez fanhosa e infantil. O professor gritou imperativo para que ninguém saísse da sala enquanto ele não voltasse, e saiu rapidamente para ver o que aconteceu. Os alunos não poderiam desobedecer mesmo que quisessem, paralizados pelo medo.
Um garoto, Rafael, levantou-se e dirigiu-se à janela.
- Vou abrir para, pelo menos, termos luz na sala.
Tudo que os alunos puderam ver foi parte dessa movimentação, quando Rafael passava na frente dos feixes provenientes da luz do sol que eles tanto desejavam ver, assim como a reentrada do professor na sala.
Quando o garoto abriu a janela soltou um grito agudo de surpresa. Todos, inclusive Alice olhavam para a rua, e absolutamente nenhum deles acreditou:
- Mas o que raios está acontecendo? Anoiteceu! - exclamou uma garota alta de cabelos escuros. - Mas... são dez da manhã!.
A sala não ficou mais iluminada que antes, e no céu nada se via além de um negrume característico de quando o sol se encontrava no lado geográfico oposto do globo terrestre: nem a lua se via e não havia sequer uma estrela no céu. Só a neblina de uma nuvem escura de chuva, o vento cortante gelado e o cheiro de terra molhada. Rafael fechou a janela e todos notaram que a luz tornou a entrar pelos buracos. Como se o sol estivesse em uma brincadeira de esconde.
- É incrível, quando abro é noite, e quando fecho é dia. De qualquer maneira ficamos sem luz, mas vou deixar fechada por que esse vento está... - E de repente ouviu-se outro grito.
Rafael deu um salto quando o ouviu, dessa vez do professor seguido por um segundo rugido, mais alto e mais violento. Os berros do professor se distanciavam como se ele estivesse sendo arrastado para longe. Depois, os gritos cessaram. Esse silêncio pode ter sido talvez pior que os gritos. Os alunos e Alice sabiam que algo muito ruim estava acontecendo, e o medo despontava em seus rostos pré-adolescentes.
- Temos que sair daqui - Disse um garoto.
- Mas esses sons vêm direto do lado da saída da escola.- respondeu uma menina chamada Lúcia. Alice permaneceu quieta.
- Eu conheço outra saída - Rafael respondeu - como você acha que eu consigo fugir da aula toda semana?
- Então vamos rápido. Mas antes me digam quem está aí. Está muito escuro e não consigo enxergar nada para esse lado. - Disse Lúcia - começou uma espécie de chamada com os nomes de quem achava que estavam presentes. Yago, um garoto moreno que repetiu a sexta série três vezes, esperou um breve silêncio para avisar que estava na sala, afinal seu nome fora sempre o último da chamada.
- Bem, - Lúcia terminou - Com o Yago somos 16, mas eu acho que há alguem lá atrás, e não ouvi nenhuma voz de lá. - Alice viu a garota se aproximando e começou a ficar nervosa. No entanto, havia alguém do lado dela que também não respondeu. Lúcia reconheceu primeiro ao aluno do lado de Alice, pois era uma pessoa tão pequena que sentada não encostava os pés no chão, não obstante seus braços eram compridos a ponto de, tombados, suas mãos encostavam no chão. Alice levantou-se para falar, quando Lúcia pegou o braço comprido e frio do garoto:
- Ei, eu estou falando com você - e então a menina foi jogada para trás.
Não sabia que se deparava com alguma espécie de demônio que tentara mordê-la. Tinha os caninos muito desenvolvidos, como um cachorro. Sua arcada dentária exageradamente exposta era desproporcional a pequena cabeça de criança. Lúcia gritou, salva por Alice que lançou-se por cima das classes e empurrou o monstro. Os outros alunos correram em direção a porta, gritando. Rafael liderou o grupo em direção a saída alternativa. Saíram da sala e seguiram pelo corredor à esquerda, tropeçando nos próprios pés em seu caminho dificultado pela escuridão que se aplicara à todos os corredores. O rugido se fez ouvir mais uma vez, mas dessa vez, cada vez mais perto deles. Rudes e pesados passos tremulavam a madeira antiga embaixo deles. O medo fez as crianças correrem mais rápida e desesperadamente.
- Pelo intervalo dos passos, é algo quadrúpede - disse Fernanda, com tamanha tranquilidade em uma hora dessas. Um rapaz alto, chamado Márcio, que tinha ficado por último por certificar-se de que a criança não estava seguindo eles, se o tornou o corredor mais rápido quando percebeu que ela estava de fato do seu lado, mas não foi o suficiente. A criatura agarrou-o e o fez cair. Ele gritou e sucumbiu, enquanto os outros gritavam e corriam.
1 comentários:
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falow
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